quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Demos uma volta de 360º, ou continuamos na mesma??

"Um povo imbecilizado e resignado,humilde e macambúzio,fatalista e sonâmbulo,burro de carga,besta de nora,aguentando pauladas,sacos de vergonhas,feixes de misérias,sem uma rebelião,um mostrar de dentes,a energia dum coice,pois que nem já com as orelhasé capaz de sacudir as moscas;um povo em catalepsia ambulante,não se lembrando nem donde vem,nem onde está,nem para onde vai;um povo, enfim,que eu adoro,porque sofre e é bom,e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misteriosoda alma nacional,reflexo de astro em silêncio escurode lagoa morta (...) Uma burguesia,cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal,sem palavras,sem vergonha,sem carácter,havendo homensque, honrados (?) na vida íntima,descambam na vida públicaem pantomineiros e sevandijas,capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,da mentira à falsificação,da violência ao roubo,donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral,escândalos monstruosos,absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...) Um poder legislativo,esfregão de cozinha do executivo;este criado de quarto do moderador;e este, finalmente, tornado absolutopela abdicação unânime do país,e exercido ao acaso da herança,pelo primeiro que sai dum ventre- como da roda duma lotaria.A justiça ao arbítrio da Política,torcendo-lhe a varaao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos (...),sem ideias,sem planos,sem convicções,incapazes (...)vivendo ambos do mesmo utilitarismocéptico e pervertido, análogos nas palavras,idênticos nos actos,iguais um ao outrocomo duas metades do mesmo zero,e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento,de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"
Guerra Junqueiro, in "Pátria", 1896

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